sábado, 25 de maio de 2013

Memorial de Formação

Blog esquecido! Isso mesmo estava esquecido. Mas estou retomando com a publicação do meu Memorial de Formação. Pronto, a minha narrativa se tornará pública!


UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO / CEDERJ / UAB
Centro de Educação e Humanidades
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Curso de Licenciatura em Pedagogia, modalidade a distância.
Coordenador: Profº Dirceu Castilho.
Tutoras presenciais: Geanny Leal e Isabella Araújo.
Tutora à distância: Daniele Kazan e Andrea Queila Gomury
Aluno(a): Mabel Cristine Santos Guimarães  




Os caminhos trilhados nas minhas escolhas até a formação docente

GUIMARÃES, Mabel Cristine Santos.Os caminhos trilhados nas minhas escolhas até a formação docente, 2013. Seis folhas (6f). Memorial apresentado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro como pré-requisito do processo de avaliação na disciplina Seminário V, do curso de licenciatura em Pedagogia – EAD, da Faculdade de Educação da UERJ. Rio de Janeiro, 2013.

A década de 60 foi marcada por movimentos e lutas contra o conservadorismo mundo a fora e no Brasil instalava-se, em 1964, o regime ditatorial militar que tomara o governo alegando o desejo de salvaguardar a democracia contra o comunismo. Nesse cenário político e econômico nascia eu, em 1965. A décima filha de um casal trabalhador do interior do estado do Rio de Janeiro e minha irmã mais velha escolheu o meu nome, que muito tempo depois eu descobri significava amável.
O país era governado pelo General Castelo Branco que endurecia ainda mais o regime atrelado a atos institucionais que punia duramente aos opositores do governo, reprimia o povo e oprimia aos trabalhadores. Rompeu relações com Cuba e aliou-se aos Estados Unidos em busca de apoio político, econômico e militar. Criança, ainda, eu não percebi os horrores da época.
Aos sete anos de idade, em 1973, iniciei a vida escolar. A memória falha ao tentar lembrar como e com quem aprendi a leitura e a escrita. Mas lembro-me que na época a Escola Estadual Manuel de Abreu, na qual estudei por 4 anos, situada no bairro de Icaraí em Niterói, tinha aulas de música, artes e educação física, meus momentos preferidos na semana. Mas também lembro que saia da escola cabisbaixa e envergonhada, com a saia pregoada molhada, deixando uma poça abaixo da cadeira, pois não era permitido ir ao banheiro durante a aula e eu sofria de enurese diurna e noturna. As metodologias eram tecnicistas permeadas de estratégias de memorização. Eu tinha poucos amigos, era muito quieta e não emitia opiniões, mas tirava boas notas e era isso que importava para o sistema educacional. 
Nessa época ainda imperava a ditadura militar e o positivismo moldava os métodos de ensino. Sob o governo de Medici e, por sua exigência o Congresso Nacional foi reaberto, como uma ação inicial para o reestabelecimento da democracia prometida por ele, porém a repressão às manifestações populares e as guerrilhas tornou-se ainda mais severa. Seu sucessor Ernesto Geisel foi quem iniciou a abertura política, por pressão internacional, visto que as notícias das mortes de diversos jovens tornou-se vergonha nacional. E eu, alheia a todos os movimentos políticos e sociais, a todas as mortes e à repressão (acho que sempre fui alienada), segui meus estudos em uma escola estadual no mesmo bairro e cidade. Aquele ano havia terminado o processo seletivo realizado para entrada no ginásio, o temido teste de admissão, e pude então cursar a 5° série com aulas dos diversos componentes curriculares, acrescida de moral e cívica, até a 7° série e OSPB na 8° série. Foi um período ativo para mim, pois comecei a perder a timidez, fazer mais amizades e até cometer algumas infrações como fumar e matar aulas, no auge da adolescência. 
Aos quinze anos, em 1980, com o país já a caminho do fim da ditadura militar e com João Baptista Figueiredo eleito pelo Congresso Nacional, iniciei o então denominado 2º grau e a rebeldia da adolescência, ainda não enxergava o quanto não tinha liberdade. Praticava esportes, matava aulas, ia a festinhas, aplaudia rachas... garotinha de Icaraí, mas diferente das colegas de classe média, minha família não tinha dinheiro para gastos com roupas e sapatos novos. Durante todo meu período escolar fui rotulada aluna carente. Recebia material escolar e uniforme comprados com o dinheiro da caixa escolar, diante de uma declaração de pobreza assinada pela minha, minha responsável legal. 
A essa altura o amor estava no ar e me apaixonava com facilidade. Conheci um homem mais velho (22 anos) e comecei meu primeiro namoro sério. Quase reprovada, mudei as atitudes, pedi ajuda, fui à recuperação e passei para o 2º ano; tudo isso com o incentivo do namorado. Fiquei noiva aos 16 anos, em janeiro de 1982 e minha mãe obrigou-me a fazer o Curso Normal, pois assim se pretendia casar tão cedo deveria ter uma profissão, para ter um emprego que me desse também tempo para cuidar da casa, dos filhos que certamente chegariam e do marido. Aceitei jurando que nunca iria dar aulas a não ser de educação física, pois faria faculdade mesmo estando casada. Sonhos de adolescente alienada.
Formei-me em dezembro de 1983, casei em janeiro de 1984 e fui mãe em dezembro do mesmo ano. E a realidade caiu sobre minha cabeça! Comecei a amadurecer, o sonho de cursar a graduação foi morrendo conforme as dificuldades surgiam. Não era fácil, naquele contexto, uma jovem recém-casada e mãe de um bebê, pleitear uma vaga na Universidade. 
Somente cinco anos depois, em 1989, recomecei a pensar na volta às aulas. Com minha mãe hospitalizada a meses prestei vestibular para o Curso de Terapia Ocupacional na Faculdade Helena Antipoff em Pendotiba, Niterói. Descobri esta profissão ao trabalhar na Clínica de Reabilitação como auxiliar com minha prima Rosa, terapeuta há vários anos. Encantei-me com o trabalho e quis seguir o caminho na área da saúde. Quando saiu o resultado minha mãe já havia falecido e ela não me viu iniciar o curso nem a minha convocação para assumir o cargo de Professor II no Município de São Gonçalo, conquistada em 1987, através de concurso público. O mesmo havia sido conturbado, sem liberação para levar as provas nem gabaritos, a classificação apresentada não incluía meu nome nem o de muitos outros que tinham sido aprovados. Já era o 2º concurso que realizava e finalmente chegou a minha vez. Iria trabalhar mio expediente, com salário um pouco melhor do que recebia antes, cursar a faculdade e ainda teria tempo para meus filhos. Infelizmente não deu muito certo, pois o curso era caro e sem o financiamento do FIES precisei desistir.
A década de 90 chegou. Novos concursos. Mais duas matrículas, município e estado, e mais uma filha também, além de um marido desempregado e doente.  O mundo começa a entrar na era da globalização, o neoliberalismo se espalhando mundo a fora, a economia crescendo em diversos pontos do planeta.
Em 1989 ocorreu no Brasil a primeira eleição direta para presidência da república, após diversos movimentos e lutas para que a democracia realmente se estabelecesse no país. O movimento Diretas já foi um destes movimentos com diversas personalidades apoiando o povo. Muitos daqueles que foram exilados na ditadura militar retornaram ao país para continuar cobrando os direitos de cada cidadão. Dentre eles, o nosso patrono, Paulo Freire: 

“A presidente Dilma Roussef sancionou, dia 13 de abril, uma lei que nomeia Paulo Freire (1921-1997) como Patrono da Educação Brasileira. Autor de obras como Pedagogia do Oprimido - em que defende a Educação como meio de libertação -, Freire é considerado o mais importante educador brasileiro.”(http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/paulo-freire-patrono-educacao-682577.shtml)

Em segundo turno Fernando Collor de Mello ganha a eleição de seu concorrente Luiz Inácio Lula da Silva, porém dois anos após assumir o governo o povo mais uma vez mostrando sua força na união exigia o impeachement do Presidente por corrupção que deixou a presidência sem condições de defender-se das acusações. 
Nesse novo cenário a educação também começava a apresentar mudanças, com o construtivismo de Piaget e Emília Ferreira e o sociointeracionismo de Vygotsky tomando corpo nas salas de aula e na legislação. Os teóricos do desenvolvimento infantil da década de 80 começavam a influenciar educadores e a LDBEN 9394/96.  Tornou-se necessário estudar, ler e praticar.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propõe novas diretrizes para a educação brasileira e a formação continuada em serviço, perspectiva já debatida mundialmente, começa a ser posta em prática com diversos programas subsidiados pelo Ministério da Educação. Além destes cursos a lei articula a necessidade de formação em nível superior, de licenciatura plena, para todos os professores, inclusive de 1º segmento e educação infantil. Assim há uma revoada de professores em busca de adequar-se a legislação. Fui uma dessas pessoas. Prestei vestibular para a FAPERJ/UERJ – Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo, em 1996 e na ocasião trabalhava na SEMED-SG, porém tornou-se difícil concluir o curso tendo dois empregos, marido, casa e três filhos e em 1998, no 5º período do curso e já de volta a sala de aula em uma escola da rede, tranquei o curso.
No ano de 2003, trabalhando na Creche da UFF por um convênio entre a universidade e a PMSG comecei a cursar o PCN de Alfabetização no Centro de Estudos Pedagógicos de São Gonçalo e comecei a compreender o conceito de construtivismo e como pensar a alfabetização com textos. Nesse mesmo período havia realizado vestibular para Licenciatura em pedagogia na UFF. Era uma aluna muito empenhada, estudava muito, realizava muitos trabalhos e seminários, participava das aulas ativamente, sempre com uma pergunta ou uma opinião acerca do assunto. Sim, fui uma ótima aluna. Foi um período muito importante para minha atuação docente, assim como havia sido na tentativa anterior.
Em 2004 fui trabalhar na Secretaria de Educação como assistente na Superintendência de Educação e ao mesmo tempo fui convidada pela coordenadora da formação continuada para cursar o PROFA e fiquei muito feliz, mas qual não foi minha surpresa quando esta complementou o convite dizendo que não o faria como cursista ouvinte, mas a formação de formador pelo meu desempenho e interesse durante o PCN de alfabetização.  Então, percebi que uma nova etapa começaria em minha vida. Conheci e me encantei com a perspectiva de alfabetizar letrando. Fiquei três anos trabalhando como formadora. Primeiro do PROFA e PCN, depois com projetos próprios sempre relacionados à alfabetização e letramento. 
Mas em 2006, tudo mudou novamente. Havia feito concurso para Prefeitura de Macaé, Professor A em 2004, com perspectivas de mudar para o interior. Pensei que a UFF tinha o curso em Rio das Ostras e poderia pedir transferência e tudo ficaria bem. Não fui convocada, ou pelo menos não sabia que havia sido já que não o fizeram por telegrama, apenas no Diário Oficial publicado em jornal local. Qual não foi minha surpresa quando em 2006 recebi um telegrama justamente quando precisava mudar de cidade. Estava me separando e queria ficar longe de tudo. Mudei com os filhos mais novos para Rio das Ostras e abandonei a faculdade no 6º período. 
Voltei ao começo na carreira e na universidade.  Em Macaé peguei uma turma de 3ª ano de escolaridade, com diversos alunos com distorção idade/série, defasagem de aprendizagem, problemas sociais e afetivos. Foi muito bom para meu crescimento profissional retornar a sala de aula, estive afastada por tempo demais, precisava deste tempo com alunos, planejamento, diário de classe, avaliação, questões diversas para resolver. Aprendi muito com a PO que se tornou uma amiga. Ela me fez rever minha prática principalmente quanto a elaboração de avaliações mais articuladas e ensino de ciências. Logo no primeiro mês fui convidada a fazer hora extra, aqui denominada dedicação exclusiva. Ao mesmo tempo continuava trabalhando na Formação Continuada em São Gonçalo, aos sábados. 
No meio do ano prestei vestibular novamente, dessa vez para o CEDERJ/UNIRIO - Polo Saquarema e me classifiquei novamente. Comecei a cursar e soube que não poderia pedir isenção das disciplinas cursadas na UFF porque eram modalidades diferentes. Bem, Saquarema não é tão próximo de Rio das Ostras como imaginei e no 3ª período terminei por desistir. Busquei informações sobre transferência para o Polo São Pedro e me informaram que eu teria que fazer o vestibular porque o curso era administrado por universidades diferentes. E lá fui eu novamente fazer vestibular, mas dessa vez não foi fácil conseguir a vaga. Ficava sempre bem perto, mas a porcentagem de cotistas me deixava de fora, pois nunca usei esse recurso mesmo sendo parda, professora de escola pública e tendo estudado em escola pública. Por questões de ideologia política e social, não acredito na política de cotas, mas isso é outra discussão, longa e calorosa. Precisei tentar três vezes até conseguir a minha vaga. E mais uma vez não pedi isenção de disciplina e cursei tudo de novo. Fiquei pensando nos alunos que reprovados têm que refazer o que já aprenderam para tentar aprender o que ainda não conseguiram. 
Assim, em 2009 iniciei o curso que atualmente espero e tento concluir. Curso este que tem proporcionado muitas e novas reflexões. No 7ª/8ª período, próxima da conclusão do curso já penso na pós-graduação. Dentro de quatro ou cinco anos estarei aposentada em uma matrícula e poderei pensar no mestrado. Não tenho mais marido, filhos pequenos e apesar da saúde um pouco abalada só algum problema de saúde mais grave ou o fim da vida poderia me fazer desistir. 
A modalidade EAD possibilita a concretização destas metas, pois não há muitas opções de cursos presenciais na área de educação na região onde vivo e pretendo continuar vivendo. 
Minha escolha pelo curso de Licenciatura em Pedagogia se deu a medida em que me apaixonei pela minha profissão, o que ocorreu pela influência de uma amiga que salvou meu primeiro ano de trabalho dando dicas e orientações sobre metodologias de alfabetização. Tornamo-nos amigas muito próximas e até hoje a Fátima é a melhor amiga, mesmo que estejamos distantes fisicamente nos dias de hoje. Ela é madrinha de filha mais nova e eu fui sua madrinha de casamento.  
Revisitar minha vida nestes parágrafos foi uma tarefa difícil, feliz e muito produtiva, pois me fez refletir sobre minhas metas, objetivos e desejos. Muitas coisas deixaram de ser ditas aqui, por falta de tempo/espaço, mas lembrou-me a que vim ao mundo e a importância do meu trabalho, do estudo e do profissionalismo necessário para melhores condições e ensino e aprendizagem. Segundo Alarcão (2003), “As narrativas revelam o modo como os seres humanos experienciam o mundo.” Neste trabalho acadêmico me reencontrei com a trajetória de minha vida pessoal e profissional, e relato aos leitores as formas como experimentei esse mundo real da educação e da sociedade brasileira. Mas, mais além, exponho minhas escolhas e os resultados destas, pois acredito que as experiências que vivemos são fruto das escolhas que fazemos a cada dia. Tomamos decisões que sempre apresentam consequências e assim por diante.
Sou mulher, mãe, avó, mas também sou professora alfabetizadora e muito importante para muitas famílias, faço parte de um grupo de pessoas responsável pela prática social capaz de transformar pessoas para que possam transformar o mundo (Freire), e ao final essa foi uma decisão minha, uma parte das minhas escolhas. Atualmente atuo na coordenação de 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental no município de Rio das Ostras, orientadora de estudos do PNAIC no eixo formação continuada e procuro compartilhar as experiências pelas quais passei e os conhecimentos que adquiri ao longo dos 24 anos de trabalho com as 27 professoras do meu grupo de estudos além das outras colegas da coordenação, mas não penso que tenho muito que ensinar, e sim muito o que aprender visto que sou eternamente “inacabada”. Assim não fosse não teria mais motivos para viver e enquanto tiver o que aprender, viverei feliz.
Finalizo este memorial citando palavras que me dão força e desejo para continuar mesmo estando próxima da sonhada aposentadoria de uma matrícula e com quase cinquenta anos de idade.

“... gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. (Freie, Paulo, in Pedagogia da Autonomia)


 Referências bibliográficas

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva, São Paulo, Cortez, 2003. –(Coleção Questões da Nossa Época;104).

 FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo: relato de uma professora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
 
PRADO, Guilherme do Val Toledo, SOLIGO, Rosaura. Memorial de Formação: quando a memórias narram a história da formação... Disponível em: <http://143.106.116.5/ensino/graduacao/downloads/proesf-memorial_GuilhermePrado_RosauraSoligo.pdf>

RODRIGO, Lídia Maria. O Memorial acadêmico: uma reconstrução póstuma do passado. In: Filosofia e Educação (online), ISSN 1984-9605 – Revista Digital do Paidéia. v. 1, Número Especial de lançamento, out. 2009, p. 168-170. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/rdp/article/view/47/56>

<http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/paulo-freire-patrono-educacao-682577.shtml>