Blog esquecido! Isso mesmo estava esquecido. Mas estou retomando com a publicação do meu Memorial de Formação. Pronto, a minha narrativa se tornará pública!
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO / CEDERJ / UAB
Centro de Educação e Humanidades
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Curso de Licenciatura em
Pedagogia, modalidade a distância.
Coordenador: Profº Dirceu Castilho.
Tutoras presenciais: Geanny Leal e
Isabella Araújo.
Tutora à distância: Daniele Kazan e
Andrea Queila Gomury
Aluno(a): Mabel Cristine Santos
Guimarães
Os caminhos trilhados
nas minhas escolhas até a formação docente
GUIMARÃES, Mabel Cristine Santos.Os caminhos trilhados
nas minhas escolhas até a formação docente, 2013. Seis folhas (6f). Memorial apresentado à Universidade do
Estado do Rio de Janeiro como pré-requisito do processo de avaliação na
disciplina Seminário V, do curso de licenciatura em Pedagogia – EAD, da
Faculdade de Educação da UERJ. Rio de Janeiro, 2013.
A
década de 60 foi marcada por movimentos e lutas contra o conservadorismo mundo
a fora e no Brasil instalava-se, em 1964, o regime ditatorial militar que
tomara o governo alegando o desejo de salvaguardar a democracia contra o
comunismo. Nesse cenário político e econômico nascia eu, em 1965. A décima
filha de um casal trabalhador do interior do estado do Rio de Janeiro e minha
irmã mais velha escolheu o meu nome, que muito tempo depois eu descobri
significava amável.
O
país era governado pelo General Castelo Branco que endurecia ainda mais o
regime atrelado a atos institucionais que punia duramente aos opositores do
governo, reprimia o povo e oprimia aos trabalhadores. Rompeu relações com Cuba
e aliou-se aos Estados Unidos em busca de apoio político, econômico e militar.
Criança, ainda, eu não percebi os horrores da época.
Aos
sete anos de idade, em 1973, iniciei a vida escolar. A memória falha ao tentar
lembrar como e com quem aprendi a leitura e a escrita. Mas lembro-me que na
época a Escola Estadual Manuel de Abreu, na qual estudei por 4 anos, situada no
bairro de Icaraí em Niterói, tinha aulas de música, artes e educação física,
meus momentos preferidos na semana. Mas também lembro que saia da escola
cabisbaixa e envergonhada, com a saia pregoada molhada, deixando uma poça
abaixo da cadeira, pois não era permitido ir ao banheiro durante a aula e eu
sofria de enurese diurna e noturna. As metodologias eram tecnicistas permeadas
de estratégias de memorização. Eu tinha poucos amigos, era muito quieta e não
emitia opiniões, mas tirava boas notas e era isso que importava para o sistema
educacional.
Nessa
época ainda imperava a ditadura militar e o positivismo moldava os métodos de
ensino. Sob o governo de Medici e, por sua exigência o Congresso Nacional foi
reaberto, como uma ação inicial para o reestabelecimento da democracia
prometida por ele, porém a repressão às manifestações populares e as guerrilhas
tornou-se ainda mais severa. Seu sucessor Ernesto Geisel foi quem iniciou a
abertura política, por pressão internacional, visto que as notícias das mortes
de diversos jovens tornou-se vergonha nacional. E eu, alheia a todos os
movimentos políticos e sociais, a todas as mortes e à repressão (acho que
sempre fui alienada), segui meus estudos em uma escola estadual no mesmo bairro
e cidade. Aquele ano havia terminado o processo seletivo realizado para entrada
no ginásio, o temido teste de admissão, e pude então cursar a 5° série com
aulas dos diversos componentes curriculares, acrescida de moral e cívica, até a
7° série e OSPB na 8° série. Foi um período ativo para mim, pois comecei a
perder a timidez, fazer mais amizades e até cometer algumas infrações como
fumar e matar aulas, no auge da adolescência.
Aos
quinze anos, em 1980, com o país já a caminho do fim da ditadura militar e com
João Baptista Figueiredo eleito pelo Congresso Nacional, iniciei o então
denominado 2º grau e a rebeldia da adolescência, ainda não enxergava o quanto
não tinha liberdade. Praticava esportes, matava aulas, ia a festinhas, aplaudia
rachas... garotinha de Icaraí, mas diferente das colegas de classe média, minha
família não tinha dinheiro para gastos com roupas e sapatos novos. Durante todo
meu período escolar fui rotulada aluna carente. Recebia material escolar e
uniforme comprados com o dinheiro da caixa escolar, diante de uma declaração de
pobreza assinada pela minha, minha responsável legal.
A
essa altura o amor estava no ar e me apaixonava com facilidade. Conheci um
homem mais velho (22 anos) e comecei meu primeiro namoro sério. Quase
reprovada, mudei as atitudes, pedi ajuda, fui à recuperação e passei para o 2º
ano; tudo isso com o incentivo do namorado. Fiquei noiva aos 16 anos, em
janeiro de 1982 e minha mãe obrigou-me a fazer o Curso Normal, pois assim se
pretendia casar tão cedo deveria ter uma profissão, para ter um emprego que me
desse também tempo para cuidar da casa, dos filhos que certamente chegariam e
do marido. Aceitei jurando que nunca iria dar aulas a não ser de educação
física, pois faria faculdade mesmo estando casada. Sonhos de adolescente
alienada.
Formei-me
em dezembro de 1983, casei em janeiro de 1984 e fui mãe em dezembro do mesmo
ano. E a realidade caiu sobre minha cabeça! Comecei a amadurecer, o sonho de
cursar a graduação foi morrendo conforme as dificuldades surgiam. Não era
fácil, naquele contexto, uma jovem recém-casada e mãe de um bebê, pleitear uma
vaga na Universidade.
Somente
cinco anos depois, em 1989, recomecei a pensar na volta às aulas. Com minha mãe
hospitalizada a meses prestei vestibular para o Curso de Terapia Ocupacional na
Faculdade Helena Antipoff em Pendotiba, Niterói. Descobri esta profissão ao
trabalhar na Clínica de Reabilitação como auxiliar com minha prima Rosa,
terapeuta há vários anos. Encantei-me com o trabalho e quis seguir o caminho na
área da saúde. Quando saiu o resultado minha mãe já havia falecido e ela não me
viu iniciar o curso nem a minha convocação para assumir o cargo de Professor II
no Município de São Gonçalo, conquistada em 1987, através de concurso público.
O mesmo havia sido conturbado, sem liberação para levar as provas nem
gabaritos, a classificação apresentada não incluía meu nome nem o de muitos
outros que tinham sido aprovados. Já era o 2º concurso que realizava e
finalmente chegou a minha vez. Iria trabalhar mio expediente, com salário um
pouco melhor do que recebia antes, cursar a faculdade e ainda teria tempo para
meus filhos. Infelizmente não deu muito certo, pois o curso era caro e sem o
financiamento do FIES precisei desistir.
A
década de 90 chegou. Novos concursos. Mais duas matrículas, município e estado,
e mais uma filha também, além de um marido desempregado e doente. O mundo começa a entrar na era da
globalização, o neoliberalismo se espalhando mundo a fora, a economia crescendo
em diversos pontos do planeta.
Em 1989 ocorreu no Brasil a primeira eleição direta
para presidência da república, após diversos movimentos e lutas para que a
democracia realmente se estabelecesse no país. O movimento Diretas já foi um
destes movimentos com diversas personalidades apoiando o povo. Muitos daqueles
que foram exilados na ditadura militar retornaram ao país para continuar
cobrando os direitos de cada cidadão. Dentre eles, o nosso patrono, Paulo
Freire:
“A
presidente Dilma Roussef sancionou, dia 13 de abril, uma lei que nomeia Paulo
Freire (1921-1997) como Patrono da Educação Brasileira. Autor de obras como Pedagogia do Oprimido - em que
defende a Educação como meio de libertação -, Freire é considerado o mais
importante educador brasileiro.”(http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/paulo-freire-patrono-educacao-682577.shtml)
Em
segundo turno Fernando Collor de Mello ganha a eleição de seu concorrente Luiz
Inácio Lula da Silva, porém dois anos após assumir o governo o povo mais uma
vez mostrando sua força na união exigia o impeachement do Presidente por
corrupção que deixou a presidência sem condições de defender-se das acusações.
Nesse
novo cenário a educação também começava a apresentar mudanças, com o
construtivismo de Piaget e Emília Ferreira e o sociointeracionismo de Vygotsky
tomando corpo nas salas de aula e na legislação. Os teóricos do desenvolvimento
infantil da década de 80 começavam a influenciar educadores e a LDBEN 9394/96. Tornou-se necessário estudar, ler e praticar.
A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propõe novas diretrizes para a
educação brasileira e a formação continuada em serviço, perspectiva já debatida
mundialmente, começa a ser posta em prática com diversos programas subsidiados
pelo Ministério da Educação. Além destes cursos a lei articula a necessidade de
formação em nível superior, de licenciatura plena, para todos os professores,
inclusive de 1º segmento e educação infantil. Assim há uma revoada de
professores em busca de adequar-se a legislação. Fui uma dessas pessoas.
Prestei vestibular para a FAPERJ/UERJ – Faculdade de Formação de Professores de
São Gonçalo, em 1996 e na ocasião trabalhava na SEMED-SG, porém tornou-se difícil
concluir o curso tendo dois empregos, marido, casa e três filhos e em 1998, no
5º período do curso e já de volta a sala de aula em uma escola da rede, tranquei
o curso.
No
ano de 2003, trabalhando na Creche da UFF por um convênio entre a universidade e
a PMSG comecei a cursar o PCN de Alfabetização no Centro de Estudos Pedagógicos
de São Gonçalo e comecei a compreender o conceito de construtivismo e como
pensar a alfabetização com textos. Nesse mesmo período havia realizado
vestibular para Licenciatura em pedagogia na UFF. Era uma aluna muito
empenhada, estudava muito, realizava muitos trabalhos e seminários, participava
das aulas ativamente, sempre com uma pergunta ou uma opinião acerca do assunto.
Sim, fui uma ótima aluna. Foi um período muito importante para minha atuação
docente, assim como havia sido na tentativa anterior.
Em
2004 fui trabalhar na Secretaria de Educação como assistente na
Superintendência de Educação e ao mesmo tempo fui convidada pela coordenadora
da formação continuada para cursar o PROFA e fiquei muito feliz, mas qual não
foi minha surpresa quando esta complementou o convite dizendo que não o faria
como cursista ouvinte, mas a formação de formador pelo meu desempenho e
interesse durante o PCN de alfabetização. Então, percebi que uma nova etapa começaria em
minha vida. Conheci e me encantei com a perspectiva de alfabetizar letrando.
Fiquei três anos trabalhando como formadora. Primeiro do PROFA e PCN, depois
com projetos próprios sempre relacionados à alfabetização e letramento.
Mas
em 2006, tudo mudou novamente. Havia feito concurso para Prefeitura de Macaé,
Professor A em 2004, com perspectivas de mudar para o interior. Pensei que a
UFF tinha o curso em Rio das Ostras e poderia pedir transferência e tudo
ficaria bem. Não fui convocada, ou pelo menos não sabia que havia sido já que
não o fizeram por telegrama, apenas no Diário Oficial publicado em jornal
local. Qual não foi minha surpresa quando em 2006 recebi um telegrama
justamente quando precisava mudar de cidade. Estava me separando e queria ficar
longe de tudo. Mudei com os filhos mais novos para Rio das Ostras e abandonei a
faculdade no 6º período.
Voltei
ao começo na carreira e na universidade.
Em Macaé peguei uma turma de 3ª ano de escolaridade, com diversos alunos
com distorção idade/série, defasagem de aprendizagem, problemas sociais e
afetivos. Foi muito bom para meu crescimento profissional retornar a sala de
aula, estive afastada por tempo demais, precisava deste tempo com alunos,
planejamento, diário de classe, avaliação, questões diversas para resolver.
Aprendi muito com a PO que se tornou uma amiga. Ela me fez rever minha prática
principalmente quanto a elaboração de avaliações mais articuladas e ensino de
ciências. Logo no primeiro mês fui convidada a fazer hora extra, aqui
denominada dedicação exclusiva. Ao mesmo tempo continuava trabalhando na
Formação Continuada em São Gonçalo, aos sábados.
No
meio do ano prestei vestibular novamente, dessa vez para o CEDERJ/UNIRIO - Polo
Saquarema e me classifiquei novamente. Comecei a cursar e soube que não poderia
pedir isenção das disciplinas cursadas na UFF porque eram modalidades
diferentes. Bem, Saquarema não é tão próximo de Rio das Ostras como imaginei e
no 3ª período terminei por desistir. Busquei informações sobre transferência
para o Polo São Pedro e me informaram que eu teria que fazer o vestibular
porque o curso era administrado por universidades diferentes. E lá fui eu
novamente fazer vestibular, mas dessa vez não foi fácil conseguir a vaga.
Ficava sempre bem perto, mas a porcentagem de cotistas me deixava de fora, pois
nunca usei esse recurso mesmo sendo parda, professora de escola pública e tendo
estudado em escola pública. Por questões de ideologia política e social, não
acredito na política de cotas, mas isso é outra discussão, longa e calorosa.
Precisei tentar três vezes até conseguir a minha vaga. E mais uma vez não pedi
isenção de disciplina e cursei tudo de novo. Fiquei pensando nos alunos que
reprovados têm que refazer o que já aprenderam para tentar aprender o que ainda
não conseguiram.
Assim,
em 2009 iniciei o curso que atualmente espero e tento concluir. Curso este que
tem proporcionado muitas e novas reflexões. No 7ª/8ª período, próxima da
conclusão do curso já penso na pós-graduação. Dentro de quatro ou cinco anos
estarei aposentada em uma matrícula e poderei pensar no mestrado. Não tenho
mais marido, filhos pequenos e apesar da saúde um pouco abalada só algum
problema de saúde mais grave ou o fim da vida poderia me fazer desistir.
A
modalidade EAD possibilita a concretização destas metas, pois não há muitas
opções de cursos presenciais na área de educação na região onde vivo e pretendo
continuar vivendo.
Minha
escolha pelo curso de Licenciatura em Pedagogia se deu a medida em que me
apaixonei pela minha profissão, o que ocorreu pela influência de uma amiga que
salvou meu primeiro ano de trabalho dando dicas e orientações sobre
metodologias de alfabetização. Tornamo-nos amigas muito próximas e até hoje a
Fátima é a melhor amiga, mesmo que estejamos distantes fisicamente nos dias de
hoje. Ela é madrinha de filha mais nova e eu fui sua madrinha de
casamento.
Revisitar
minha vida nestes parágrafos foi uma tarefa difícil, feliz e muito produtiva,
pois me fez refletir sobre minhas metas, objetivos e desejos. Muitas coisas
deixaram de ser ditas aqui, por falta de tempo/espaço, mas lembrou-me a que vim
ao mundo e a importância do meu trabalho, do estudo e do profissionalismo
necessário para melhores condições e ensino e aprendizagem. Segundo Alarcão (2003),
“As narrativas revelam o modo como os
seres humanos experienciam o mundo.” Neste trabalho acadêmico me reencontrei
com a trajetória de minha vida pessoal e profissional, e relato aos leitores as
formas como experimentei esse mundo real da educação e da sociedade brasileira.
Mas, mais além, exponho minhas escolhas e os resultados destas, pois acredito
que as experiências que vivemos são fruto das escolhas que fazemos a cada dia.
Tomamos decisões que sempre apresentam consequências e assim por diante.
Sou
mulher, mãe, avó, mas também sou professora alfabetizadora e muito importante
para muitas famílias, faço parte de um grupo de pessoas responsável pela
prática social capaz de transformar pessoas para que possam transformar o mundo
(Freire), e ao final essa foi uma decisão minha, uma parte das minhas escolhas.
Atualmente atuo na coordenação de 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental no
município de Rio das Ostras, orientadora de estudos do PNAIC no eixo formação
continuada e procuro compartilhar as experiências pelas quais passei e os
conhecimentos que adquiri ao longo dos 24 anos de trabalho com as 27
professoras do meu grupo de estudos além das outras colegas da coordenação, mas
não penso que tenho muito que ensinar, e sim muito o que aprender visto que sou
eternamente “inacabada”. Assim não fosse não teria mais motivos para viver e
enquanto tiver o que aprender, viverei feliz.
Finalizo
este memorial citando palavras que me dão força e desejo para continuar mesmo
estando próxima da sonhada aposentadoria de uma matrícula e com quase cinquenta
anos de idade.
“... gosto
de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente
do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda
entre o ser condicionado e o ser determinado. (Freie, Paulo, in Pedagogia da
Autonomia)
Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia
da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa, Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2000.
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola
reflexiva, São Paulo, Cortez, 2003. –(Coleção Questões da Nossa Época;104).
FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo: relato de uma
professora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
PRADO, Guilherme do Val Toledo, SOLIGO,
Rosaura. Memorial de Formação: quando a
memórias narram a história da formação... Disponível em: <http://143.106.116.5/ensino/graduacao/downloads/proesf-memorial_GuilhermePrado_RosauraSoligo.pdf>
RODRIGO, Lídia Maria. O Memorial acadêmico: uma reconstrução
póstuma do passado. In: Filosofia e Educação (online), ISSN 1984-9605 – Revista
Digital do Paidéia. v. 1, Número Especial de lançamento, out. 2009, p.
168-170. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/rdp/article/view/47/56>
<http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/paulo-freire-patrono-educacao-682577.shtml>